Ontem, em campanha pelo Nordeste, Dilma Rousseff acusou Serra de semear medo e ódio a fim de encobrir a falta de um projeto para o país. Mas o povo – afirmou – “vai responder com esperança e amor.”
Ao ler a afirmação de Dilma, logo me lembrei de uma mensagem que recebi há poucos dias de uma leitora . Ei-la :
“Vindo para o trabalho, cruzei com um grupo de militantes do PT a caminho de alguma bandeirada ou coisa parecida. Me ofereceram um adesivo pró Dilma, eu recusei. Fui muito hostilizada. Me chamaram de “burguesa”, de “loira metida”, me disseram que “a moleza vai acabar” e por aí afora. Tudo muito baixo e fora de propósito. Continuei meu caminho sem me manifestar, mas me assustei…
Medo e ódio. Realmente, é disso que se trata.
Abstratamente, podemos admitir que episódios isolados de intimidação ou confronto podem ocorrer em qualquer eleição e em qualquer país. Sempre há ânimos acirrados. Algum militante ou grupo de militantes pode passar dos limites.
Em tese, é assim. Mas falar “em tese” sobre o que vem ocorrendo entre nós seria dar prova de uma imensa pusilanimidade. Disseminar o medo (e em larga escala) é, por exemplo, espalhar que a vitória adversária implicará a perda do emprego ou de algum benefício.
Aos beneficiários do bolsa-família, cujo voto já foi de certa forma seqüestrado pelo governo e pelos partidos que o apóiam, mentiu-se, ademais, que poderiam perder o benefício. Aos empregados de algumas estatais foi dito que o adversário promoveria demissões em massa.
Essa é a forma elementar do chamado “uso da máquina pública” – e sem dúvida também a técnica mais perversamente eficiente da intimidação eleitoral. A história brasileira não tem registro de nada comparável ao que se fez este ano.
O fulcro de todo esse processo, como não me canso de dizer, é o comportamento atrabiliário do presidente da República. Lula desvestiu-se simplesmente (se é que chegou a se investir) dos deveres e obrigações compreendidos na expressão “liturgia do cargo”.
Para eleger de um jeito ou de outro a sua candidata, Lula não hesitou em abdicar da condição de presidente de todos os brasileiros, assumindo por completo a postura de chefe de facção.
Isto não sou eu quem diz . Disseram-no com todas as letras os governadores que ele reuniu no Alvorada logo após o primeiro turno. Com esforço, evidentemente, eles conseguiram abrir o bico e dizer ao chefe que ele se excedera bastante; dois ou três até ousaram apontar a agressividade do presidente como um dos fatores que levaram a decisão para o segundo turno.
Irretocável, neste aspecto, o artigo de Eliane Catanhede na FSP de 24.10 :
“Bastou a eleição de Dilma ser dada como certa no primeiro turno, e lá foi Lula, vermelho, com ar de ódio, xingar a imprensa e conclamar o extermínio de adversários. Bastaram as pesquisas prevendo a vitória no segundo turno, e lá foi Lula, vermelho, com ar de ódio, acusar Serra de encenar ‘uma farsa’, uma ‘mentira descarada’. Duplo erro: tentou transformar a vítima em réu e estimulou a militância petista a cair de pau”.
Se Dilma Rousseff e seus marqueteiros quiserem então saber o motivo do acirramento que o país está vivendo, a resposta é simples. Chama-se Lula.
Admitamos, entretanto, que os desmandos verbais e comportamentais do presidente não são o único motivo. Há outros.
Subjacente ao lulismo, existe o petismo. E perderá tempo quem tentar compreender a mentalidade petista sem se deter no fenômeno do ressentimento.
Antes que os meus leitores petistas se exaltem : eu não estou dizendo que todo petista seja um ressentido, seja no sentido pessoal, seja no social. Todo petista, não, embora me pareça que, desde os primórdios, o PT atraiu muitos militantes ressentidos, ou mais ressentidos que a média da sociedade, sei lá.
Mais importante, porém, é que o PT criou um vocabulário e um fabulário (uma pseudo-história, uma pseudo-sociologia…) que até parecem cortados sob medida para a articular certos ressentimentos que existem difusos na sociedade. A “zelite”, por exemplo, tem funcionado como senha, palavra de ordem e toque de avançar. Que o diga a autora da mensagem que citei lá em cima.
Alguns amigos petistas ficam muito bravos quando eu lhes falo do ranço totalitário que o PT traz embutido desde a sua mais tenra infância. “Mas afinal - me interpelam -, o Brasil não se caracteriza ao longo de toda a sua história e ainda hoje por uma terrível desigualdade de renda, de oportunidade, o escambau ?” É claro que sim. Eu precisaria ser muito ignorante ou alienado para negar tal afirmação, ainda mais nesse nível de generalidade.
O que esses amigos não compreendem é que muitos dos piores ditadores compartilharam em algum momento um sentimento de repulsa em relação à desigualdade social.
Se nobres intenções bastassem, as soluções que buscamos estariam ao alcance da mão. Mas não bastam, e não raro até preparam o local onde a serpente põe seus ovos.
Mais cedo ou mais tarde – como escreveu Ingmar Bergman – “através das finas membranas, poderemos discernir o réptil já perfeitamente concebido”. Oxalá não seja tarde demais.
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